sábado, 5 de novembro de 2011

Desatando nós

Como comecei a escrever no blog na semana passada, deveria ter iniciado com a minha apresentação, mas, como estava triste de uma tristeza muito triste por ter recém descoberto a gravidade de um problema de coluna que arrasto há anos, acabei deixando meu coração falar disso, em vez de fazer uma apresentação formal.


O texto de chegada está pronto há tempos, desde quando o blog ainda era projeto. Pronto pronto, não de fato, na verdade, rascunhado, só falta digitar, pois que prefiro escrever à mão (a velocidade dos meus dedos no teclado nunca acompanha a velocidade do meu pensamento, o que a caneta consegue fazer). Mas, acabou que o texto ficou em Atibaia e eu em São Paulo, então...


Estou em casa de uma amiga querida, daquelas de milênios-luz de amor compartilhado, Maria Mercedes e, lá embaixo, na sala de visitas, para auxiliar a minha inspiração, ela deixou Villa-Lobos ao piano. Que honra ele ter vindo do infinito especialmente tocar para mim nesta fria noite de novembro! Tempos mudados, tempos confusos.


Bem, já que o rascunho ficou, que a noite que deveria ser quentíssima está fria e que Villa-Lobos toca tão desprendido e suavemente, enquanto Fernando (Pessoa) e José Mauro (de Vasconcelos) passeiam pela sala bonita do aconchego de Mercedes, e Manuel (Bandeira), vindo direto de Pasárgada, se demora a olhar a fumaça do cigarro que sobe em espirais pela janelinha aberta, vou me aventurar nesse encontro de saudade. Florbela (Espanca) também está aqui, mas, preferiu ficar lá fora, sentindo o roçar da brisa na pele dos ombros mal cobertos com um delicado xale português. E Cecília (Meireles), a delicada Cecília de azul olhar a acompanha. Passou também Clarice (Lispector), talvez atraída mais pela fumaça do cigarro de Manuel que pelas notas de Heitor, mas, não pousou. Puxa, até Arthur (Rimbaud) veio visitar o nosso encontro! Sê bem vindo! E ali, ao fundo, com a barba grisalha? Aproxime-se mais, não o vejo direito... Ó, sim, Ernest (Hemingway). Venha, venha, compartilhe nossa noite, traga seu velho, traga seu mar.


Por que estariam esses poetas tão ilustres reunidos aqui numa noite tão comum? Ah, vieram para sentir comigo esse gostinho de esperança que tem me ocupado as entranhas nos últimos dias.


Logo que comecei a me preparar para a artrodese (vejam que nome pomposo, mas, a cirurgia é um horror! Furadeiras, serras, pinos e martelos, coluna para sempre contida em garras de titânio), Bem, logo que comecei a me preparar para a dita, escrevi a meu filho, que mora em Roma, e ele, presto me retornou pedindo que eu procurasse dois médicos seus conhecidos antes de operar. Fi-lo. O primeiro, um quiropraxista sério, ponderado, sereno, me mostrou benefícios e malefícios da operação e me orientou a tentar um tratamento convencional por, pelo menos, seis meses.


O segundo, um ancião oriental riu e me disse: "Mas, como o médico quer operar as suas costas se o seu problema é no quadril?". "É louco", pensei. Apenas disse que nunca tive problema no quadril e ele disse que me provaria que sim. Tocou em um ponto do lado esquerdo que me fez estremecer de dor e em outro do lado direito e repetiu: "É aqui que está o seu problema. Os anéis da coluna foram entortando, ao longo dos anos, por causa do desnível em seu quadril. Não adianta operar lá, se o problema é aqui." Bem, meu filho já tinha me avisado que o homem era um tanto excêntrico...


Resumindo a ópera, depois de uma hora de massagem e manipulação das vértebras e dos pés, eu saí do consultório sem a dor nas costas e com a coluna pelo menos alguns graus mais alinhada e com uma tremenda dor no joelho. Então me lembrei que há exatos 30 anos, um sobrinho querido pulou de mau jeito no meu colo e tirou o meu joelho esquerdo do lugar. Cidade pequena, simplicidade, falta de dinheiro, tratamos o "mau jeito" em casa, com rezas e emplastros. Por anos tive muita sensibilidade nesse joelho e evitava pisar forte com a perna esquerda, logo, criei uma forma de compensar essa dor e esse medo de um novo deslocamento se repetir, assim, os ossos do quadril, ainda em desenvolvimento, posto que eu era uma adolescente, se deslocaram e a coluna veio seguindo esse desnível, o que, aliado à minha estatura elevada, resultou em hérnias e desgastes e quase me levou para a mesa de cirurgia.


Bem, porque falar disso tudo num blog literário, ainda mais com visitas tão ilustres na sala de estar? É para mostrar que, muitas vezes, a gente toma o efeito pela causa e tenta amputar a perna para curar a unha encravada. Quantas tempestades poderiam ser evitadas se não nos precipitássemos no olho do furacão? Acho que essa descoberta da raiz do problema que tem me causado tanta dor e medo diante do terrível diagnóstico de "doença degenerativa progressiva" remete ao tão conhecido efeito borboleta ou aos enormes círculos concêntricos que se formam na água quando atiramos uma mínima pedrinha dentro de um lago.


Deixo isso aqui no sagrado altar do "Pegando o Gancho" como reflexão sobre todos aqueles nós que não conseguimos desatar em nossas vidas, na maioria das vezes por não termos a paciência e a sabedoria de procurar a pontinha do barbante, para poder desamarrá-los um a um. Nós cortados não são nós desfeitos. Problemas ignorados não são problemas resolvidos.


Bruno Andaluz, se aqueça, é bem provável que, em breve tempo, estejamos dançando aquele xote do Fala Mansa! Por ora, deixa-me descer e me deleitar com as notas de Heitor que se desvanecem na fumaça do cigarro de Manuel, repousando nas franjas do xale de Florbela e se diluindo no azul dos olhos de Cecília. Até semana que vem!

Isa Oliveira

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Dia D; Dia: 31/10; D de Drummond

Pois é, no dia 31/10/1902 nascia o poeta tímido, discreto, lírico e arrebatador, Carlos Drummond de Andrade.
Pelo poema que hoje publico em sua homenagem, percebi que às características acima devo acrescentar a de divertido.

A bunda, que engraçada
Carlos Drummond de Andrade

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
redunda.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O QUE VOCÊ FAZIA AOS NOVE ANOS...?


Na noite do Sarau comemorativo aos nove anos, propomos que cada amante da poesia escrevesse o que fazia aos nove anos de idade. Dessa expressao de memória afetiva, produzi o texto que hoje apresento aos leitores deste Blog. Aproveito para perguntar a você... afinal, o que fazias aos nove anos? Escreva seu comentario!


Aos nove anos...
Gostava de observar minha mãe a costurar na máquina, ficava na parte de baixo na cama beliche, contemplando, entre o vão e a luz da lampada da maquina, as maos dela segurando o tecido que costurava. Brincava muito com meus primos, de esconde esconde, pulava corda rodava bambole, amareliha e mãe da rua. Que tempo bom! Que saudades! Aos nove anos...
Já sonhava com um mundo mais ampliado, alem daquele que vivia e achava que era pouco. Ocupava o tempo na lida da agricultura familiar, cultivava a terra, tratava os animais, brincava com os meus irmaos e ouvia estórias que os adultos contavam. Tambem lia muitos cordeis.. Estes eram meus deleites.! Aos nove anos, estava acompanhando minha mãe em seu recomeço após a separação de meus pais. Sonhando com a familia ideal, que até hoje busco. Aprendendo a me virar sozinha, e que ate hoje faço. Comendo as sementes da poesia que ate hoje vivo a semear. Aos nove anos...
Brincava de pega pega com meus amigos, jogando queimado. Passava por seríssimas dificuldades financeiras, assistia TV na casa dos vizinhos, cuidava dos afazeres domésticos. Era um menino triste, sozinho com meus amigos solitarios como eu, meus amigos crescidos, um abacateiro e um pe de manga, eu comia seus frutos, os meus... ainda nao eram... Aos nove anos...
Estava envolvido com amarelinha, polícia e ladrão, futebol, ou seja, era somente criança. Tocava sanfona e participava num grupo muito grande de jovens acordeonistas (Uns trinta, quarenta) todo mes, no clube papai noel (Homero Silva, canal 3 na época e no “Paieumam” já com o Vicente Leoporaeu no canal 7, lá no aerorporto de congonhas). Aos nove anos...
Ia à escola vestido de guarda pó e com uma lancheira a tira colo. Ficava ansioso esperando o recreio para saborear meu pão com margarina e tomar uma cruchi. Um dia sai da escola numa atitude de rebeldia. A minha mãe me proibiu de ir à aula por ter me atrasado. Eu disse a ela. Não vou hoje... entao não vou mais! Lembro da escola e da professora Marli, dos amiguinhos e das tardes quando brinca na rua: dono da rua, duro ou mole e outras brincadeiras. Estudava, fazia bale e brincada na rua. Aos nove anos... Eu me lembro da escola e ter que decorar a tabuada. Morria de medo da professora Leonor.
Aos nove anos... quando fui ao sitio da professora Tereza, lá não havia energia eletrica; muitos sapos e um profundo medo de não mais ver minha mãe e meus irmãos. Aos nove anos... Estava numa roda ao luar para ouvir minha bisavó contar as estorias do povo que veio da Africa, inclusive ela, e como vivia no sertão da Bahia. Aos nove anos...
Vivia jogando bola com os meninos e com as minhas amigas. Brincava de barby e meu esporte favorito era futebol. Em um lindo dia de setembro, passava junto de meus imãos, Valter, 3 anos e Alam, 10 anos. Eu usava uma Saia vermelha rodada com desenhos de estrelas do mar, cavalos marinhos e peixinhos. Estavamos no Parque do Ibirapuera tirando fotos, brincando de esconde esconde e meu irmão mais velho se pindurava na árvore. Soltava minha pipa no ar. Aos nove anos...
Vi meu pai partir... lágrimas partidas de olhos maternos. Aprendendo que se pode morrer duas vezes. Faziam dois anos do desencarne da minha mãe, então eu e quatro minhas irmãs e meu unico irmão, esperimentávamos uma experiencia em que cada um tinha que descobrir seu proprio mundo e sua função nele. Adaptação, aceitação, humildade e equilibrio. Tive que aprender muito cedo para não ser sugada pelas teias do ressentimento, incompreensão e medo. Obrigado meu Deus pela oportunidade de aprendizado e amor “incondicional”. Na falta de lembrança, só me lembro de que havia muito amor e esperança... exatamente hoje consegui retornar a este tempo e é muito bom voltar a sentir novamente. Ainda o que tinha de sorriso era uma fuga, sonhando entre musica e imaginação. A realidade já nao me servia de aconchego, a cidade, as pedras, as pessoas, já nao me soavam acolhedoras. Aos nove anos eu não lia, não ria, não brincava, mas a música e o verso de sua melodia me influenciou. Não tenho duvidas, aos nove anos, a poesia já me salvava!

Nove anos... pois é!
Que soe ainda mais forte o canto dos poetas.
Que brilhe ainda mais alto a luz das palavras.
Que o amor se faça mais forte no canto da poesia.

Parabens!!”
Produção coletiva no Sarau de aniversario de 9 anos em 29.10.11




quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Des(feito)

Hoje dia 02 de novembro, dia de finados
A maioria das religiões e crenças acredita na vida eterna.

Peço licença à Cacau Lopes para postar um de seus poemas.

Meu corpo não tem mais nervos nem fogo:
É um relógio de corda, pulsando fora de mim,
Sem que eu saiba, ao menos,
A hora do último fim.

Minha alma não tem mais músculos nem sexo:
É uma tonelada de pedra pálida
Da minha carne despregada,
Despencando em queda íngreme em direção ao nada.

Minha vida não tem mais pele nem desejo:
É uma pena de ave ao vento,
Seguindo meu próprio cortejo.

E daqui, deste não-lugar, desvestido de pele e alma,
Descubro que a pena de um sofrimento
Não vale a brisa de uma manhã tão calma.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

NOVE ANOS DE POESIA, VINHO E O SENTIMENTO PRESENTE




Santina, sentiremos saudade de você. Valeu pelos encontros poéticos, pelos momentos de oração...
Que Curitiba te receba com todo amor e carinho que merece...






Davi, presença é encantadora...










Aline e sua flauta mágica...













Isa, mulher de fibra...















Todo dia o sol levanta e a gente canta...












Metamorfoseando...












Quem sou eu? Quem é você?...










“...mesmo que a solidão, mais que a dor física, mais que a incerteza, apavore, fazendo com que tudo demore em ser tão ruim, eu sou a Isa, e alguma coisa sempre acontece no quando agora em mim e, cantando, eu mando a tristeza embora... Cantando, eu mando a tristeza embora...”


Se vocês querem saber quem eu sou

"...Se vocês querem saber quem eu sou

Eu sou a tal mineira

Filha de Angola, de Kêto e Nagô

Não sou brincadeira

Canto pelos sete cantos

Não temo quebrantos, porque eu ou guerreira

Dentro do samba eu nasci, me criei, me converti, e ninguém vai tombar a minhabandeira..."





...Muitas felicidades...muitos anos de vida!!!!!!!












"O pretinho
O que colhia de-orgasmo
O que lia de-querência
O que brigava por-beijo
Comungava... (Akins Kintê)
















Um brinde aos Nove Anos de Sarau Pegando o Gancho







Aos oito anos...

Brincava de roda, na rua, com meus amigos...

Minha mãe me olhava e me protegia.

Vivia uma infancia difícil

Aprendendo a ler, brigando com os amigos...

Corria atras das galinhas, sumia com os porcos...

minha mãe ficava doida!





Contar histórias: um novo jeito de passar minha

mensagem sobre as questões raciais...






O meu olhar é nítido como um girassol

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

“...Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José,
José, para onde?’’





domingo, 30 de outubro de 2011

INQUIETUDE



O silêncio buscou morada em meu peito,

Ao que aceito: calo-me. Nada falo.

Enveredo-me em mim mesmo,

E, sendo assim, permito-lhe o acalanto,

E tanto, que dele busco proveito.

Respeito-lhe.

Ouço o sopro brando de meu respiro.

Suspiro. Inspiro. Conspiro com sua trama.

Sou refém. Prisioneiro de seu poder.

Pemito-lhe que se revele.

Pactuo com sua causa.

Meu corpo consente-lhe o álibi.

A solidão silenciosa e apavorante do não ser e não estar

Invadem os espaços seguros de minhas entranhas.

Vozes estranhas que, sem nada dizer,

Assombram minha abstinência e a mudez de meus lábios.

Sou silêncio fundado pelo pensamento ritmado destas invasoras.

Meu silêncio já se funde aos meus ruídos.

Meus fluídos me aquecem e ruborizam a pele.

Sou inerte e segregado à sua tensa quietude.

Estou à miúde. Sou a chama deste estado.

Sou palavra em infinitos pensamentos.

Momentos invisíveis a olhos nus.

Sou corpo e som de meu silêncio.

Os olhos buscam ao redor e resta-me a inquietação do não dizer,

A verdade sucumbida aos músculos de minha  face

Que desenham esta inquietude.

E, em dado momento,

Descubro que, em verdade, o silêncio é pensamento.


29/10/2011 – 20:00
Chiquinho Silva